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quinta-feira, 21 de março de 2013

Desconforto




Uma das minhas fobias é a de falar em público.

Eu sei que não sou o único, que muitos se queixam do mesmo, mas sinceramente, estou-me borrifando para os problemas dos outros.
Sempre que a situação ocorre por mais que me prepare, treine e faça psicanálise,  mal chegue ao palanque entro em paranoia. As ideias que saltitavam alegremente no meu cérebro fogem e escondem-se, a minha garganta entope, a minha boca seca e tremo que nem uma vara verde cheio de calor.

Um autêntico pavor.

Não tenho outro remédio que arranjar mil e uma maneiras de fugir à situação. Quando comecei alinhar o meu percurso profissional pus logo de parte várias profissões. Ser padre, político, professor, juiz e afins deixaram de ser opção.

Mesmo assim e por muito que evite, por vezes não tenho hipótese de fuga, como foi hoje o caso.
O meu chefe, por estar ausente, incumbiu-me de ministrar uma mini palestra sobre segurança rodoviária a alunos de uma escola primária (acho que agora designam a coisa de 1º ciclo), no âmbito de uma campanha de prevenção que a empresa promove conjuntamente com a E.P. (Estradas de Portugal) junto dos mais jovens.

Depois de me inteirar do pretendido fiquei menos preocupado. A coisa parecia ser simples e o publico nada complicado. Basicamente era passar um filme de banda desenhada que tinha um herói que explicava aos miúdos os comportamentos a ter na rua, nas varias condições (como peão, como circular de bicicleta, como se comportar dentro dos meios de transportes, etc.) e depois responder às perguntas dos mais curiosos.

Coisa fácil, pensei eu.

De manha lá estava eu à espera da garotada, meio ensonado (de manhã funciono muito mal) e eis que eles chegam com as baterias todas carregadas, mais pareciam movidos a corrente alternada. Instalam-se sentados no chão e trazem a confusão com eles.
40 almas de palmo e meio, enfiados numa sala com pouco mais de 30 metros quadrados. Mais parecia um matadouro em dia de matança.
Berro daqui, chamadas de atenção das professoras dali e consigo sossegar o bando com a passagem do filme.

Primeira parte 5 estrelas.

Findo o filme, a luz acende-se e lá estou eu de frente para 80 olhos vidrados e narizes em riste apontados à minha personagem. Os miúdos como tem um gene felino cheiraram o meu medo e foi num ápice que os sintomas da minha fobia se começaram a sentir.
Pior fiquei quando verifico que estou sozinho, as professoras aproveitaram o filme para irem descansar os neurónios (aturar cachopos não é fácil).
Dali para frente foi sempre a descer.
Quando perguntei se alguém tinha alguma dúvida sobre o filme, obtive a resposta à sensação de estar à frente de um poletão de fuzilamento.
Seguiu-se uma rajada de G3 de perguntas parvas, que nada tinham a ver com a matéria dada.
Quem era o herói da história? Porque é que eu tinha uma voz tão esquisita? Quantas namoradas eu tinha? Quantos beijos na boca já tinha dado? Quantos filhos tinha feito? (Sim. Não quantos filhos tinha, mas quantos tinha feito) e por ai acima. As perguntas eram invariavelmente intervaladas por uma miúda que só dizia que tinha um pai policia (ainda estou para perceber o que ela queria dizer com aquela informação).

Enquanto digeria tanta curiosidade parva, sinto o meu portátil a gemer de dor, tantos eram os deditos que procuravam uma tecla disponível. Ao fundo da sala dois enegrumes ligavam e desligavam a máquina de café que à falta de água borrifava vapor e assobiava.
Ai percebo que o grupo estava divido em dois tipos: os curiosos parvos falantes e os curiosos parvos mudos.

Enfim, instalou-se um caos que me obrigou a uma retirada estratégica, depois de recolher os meus bens. Em passos largos passei pelas professoras que repousavam nos sofás do Hall e informei-as que tinha concluído a minha tarefa, o que fê-las levantarem-se num ápice e tomarem a postura de um bombeiro pronto a combater um incêndio. 

Já na rua, ainda atordoado, acendi um cigarro e comecei a tentar nivelar a minha auto estima.

Embora distante do local do sinistro, ainda ouvia o alvoroço e o esforço inglório das professoras.
Passados uns 5 longos minutos, as feras foram dominadas e começaram a sair em fila indiana de mãos dadas como cordeirinhos e os que olhavam para mim tinham a expressão "missão cumprida" estampada na testa.


Estou em casa a ler um livro que tem como titulo: Boas desculpas para não ir trabalhar amanhã.

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