Uma das minhas fobias é a de falar em público.
Eu sei que não sou o único, que muitos se queixam do mesmo,
mas sinceramente, estou-me borrifando para os problemas dos outros.
Sempre que a situação ocorre por mais que me prepare, treine
e faça psicanálise, mal chegue ao palanque entro em paranoia. As
ideias que saltitavam alegremente no meu cérebro fogem e escondem-se,
a minha garganta entope, a minha boca seca e tremo que nem uma vara verde cheio
de calor.
Um autêntico pavor.
Não tenho outro remédio que arranjar mil e uma maneiras de
fugir à situação. Quando comecei alinhar o meu
percurso profissional pus logo de parte várias profissões. Ser padre,
político, professor, juiz e afins deixaram de ser opção.
Mesmo assim e por muito que evite, por vezes não
tenho hipótese de fuga, como foi hoje o caso.
O meu chefe, por estar ausente, incumbiu-me de ministrar
uma mini palestra sobre segurança rodoviária a alunos de uma escola
primária (acho que agora designam a coisa de 1º ciclo), no âmbito de uma
campanha de prevenção que a empresa promove conjuntamente com a E.P. (Estradas
de Portugal) junto dos mais jovens.
Depois de me inteirar do pretendido fiquei menos
preocupado. A coisa parecia ser simples e o publico nada complicado.
Basicamente era passar um filme de banda desenhada que tinha um herói que
explicava aos miúdos os comportamentos a ter na rua, nas
varias condições (como peão, como circular de bicicleta, como se comportar
dentro dos meios de transportes, etc.) e depois responder às perguntas dos mais
curiosos.
Coisa fácil, pensei eu.
De manha lá estava eu à espera da garotada, meio ensonado (de
manhã funciono muito mal) e eis que eles chegam com as baterias todas
carregadas, mais pareciam movidos a corrente alternada. Instalam-se sentados no
chão e trazem a confusão com eles.
40 almas de palmo e meio, enfiados numa sala com pouco mais
de 30 metros quadrados. Mais parecia um matadouro em dia de matança.
Berro daqui, chamadas de atenção das professoras dali e
consigo sossegar o bando com a passagem do filme.
Primeira parte 5 estrelas.
Findo o filme, a luz acende-se e lá estou eu de frente para
80 olhos vidrados e narizes em riste apontados à minha personagem.
Os miúdos como tem um gene felino cheiraram o meu medo e foi
num ápice que os sintomas da minha fobia se começaram a sentir.
Pior fiquei quando verifico que estou sozinho, as
professoras aproveitaram o filme para irem descansar os neurónios (aturar
cachopos não é fácil).
Dali para frente foi sempre a descer.
Quando perguntei se alguém tinha alguma dúvida
sobre o filme, obtive a resposta à sensação de estar à frente de
um poletão de fuzilamento.
Seguiu-se uma rajada de G3 de perguntas parvas, que nada
tinham a ver com a matéria dada.
Quem era o herói da história? Porque é que eu tinha uma voz
tão esquisita? Quantas namoradas eu tinha? Quantos beijos na boca já tinha
dado? Quantos filhos tinha feito? (Sim. Não quantos filhos tinha, mas quantos
tinha feito) e por ai acima. As perguntas eram invariavelmente intervaladas por
uma miúda que só dizia que tinha um pai policia (ainda estou para perceber o
que ela queria dizer com aquela informação).
Enquanto digeria tanta curiosidade parva, sinto o meu
portátil a gemer de dor, tantos eram os deditos que procuravam uma tecla
disponível. Ao fundo da sala dois enegrumes ligavam e desligavam a máquina de
café que à falta de água borrifava vapor e assobiava.
Ai percebo que o grupo estava divido em dois tipos: os
curiosos parvos falantes e os curiosos parvos mudos.
Enfim, instalou-se um caos que me obrigou a uma retirada
estratégica, depois de recolher os meus bens. Em passos largos passei pelas
professoras que repousavam nos sofás do Hall e informei-as que tinha concluído
a minha tarefa, o que fê-las levantarem-se num ápice e tomarem a postura de um
bombeiro pronto a combater um incêndio.
Já na rua, ainda atordoado, acendi um cigarro e comecei a
tentar nivelar a minha auto estima.
Embora distante do local do sinistro, ainda ouvia o alvoroço
e o esforço inglório das professoras.
Passados uns 5 longos minutos, as feras foram dominadas e
começaram a sair em fila indiana de mãos dadas como cordeirinhos e os que
olhavam para mim tinham a expressão "missão cumprida" estampada na
testa.
Estou em casa a ler um livro que tem como titulo: Boas
desculpas para não ir trabalhar amanhã.
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